segunda-feira, 16 de novembro de 2009

A Procissão



LOCAL: Sul de Minas Gerais
CLASSIFICAÇÃO: Ficção
DATA: Desconhecida

Meus avós moravam em uma pequena casa no alto de um morro, próximo a uma cidadezinha no sul de Minas.
Um dia meu avô saiu para trabalhar na roça e ela ficou em casa como de costume, cuidando dos afazeres domésticos. De repente, começou a ouvir de longe uma cantoria que parecia vir da estradinha que seguia para a cidade. Era uma ladainha de procissão que cada vez ficava mais alta.
Como era uma pessoa muito religiosa, minha avó posicionou-se na janela para ver o santo passar, pensando ser uma honra para ela que aquele fato ocorresse perto da sua casa, coisa incomum por morar muito longe da igreja.
Avistou de longe a procissão e percebeu que vinha mesmo em direção da casa. Tamanha foi sua surpresa ao perceber que não havia nenhuma imagem sendo levada pelos participantes da procissão, que chegavam agora à beira de sua janela, cantando.
Uma senhora de idade seguia à frente de todos e levava em seus braços um embrulho de papel pardo e, de pronto, o entregou à minha avó, que recebeu de bom grado. Eles então partiram e seguiram o caminho de volta sem parar de cantar. Minha avó colocou cuidadosamente o embrulho em cima da mesa e continuou suas tarefas domésticas.
Já de tarde, quando voltou da lida na roça, meu avô estranhou o embrulho sobre a mesa e perguntou a ela do que se tratava. Minha avó, animada, contou sobre a procissão e disse que deveria ser uma vela para ser acesa.
Depois do jantar, meu avô pediu para que ela acendesse então a tal vela para se cumprir a bênção naquela casa.
O desespero de ambos foi muito grande ao constatarem que o objeto no embrulho não era uma vela, mas sim uma canela humana! Correram na mesma hora até um amigo, que indicou a eles um feiticeiro na região que de certo saberia do que se tratava aquilo.
Realmente ficaram sabendo o que significava aquele fato estranho: de acordo com o feiticeiro, isso seria uma obra poderosa de bruxaria para trazer morte àquela casa, mas que somente se concretizaria se o embrulho permanecesse na casa ou fosse descartado. Orientou-os a esperar na janela no dia seguinte, àquela mesma hora e que devolvessem o embrulho à mesma pessoa.
Voltaram então para casa e aguardaram ansiosos o dia seguinte. Para surpresa dos dois, a procissão voltou mesmo ao local, cantando igual ao dia anterior e na mesma hora parou em frente à mesma janela. A mesma senhora de antes veio até minha avó, que lhe entregou o embrulho.
Aquela senhora recebeu o macabro “presente” e a procissão seguiu o seu caminho.

Um Demônio em Crise


AUTOR: Flávio Cézar
CLASSIFICAÇÃO: Ficção


Certo ser maligno andava cabisbaixo pela rua, lentamente deslocava-se entre a multidão que passava, compenetrado, só levantava a cabeça quando algum conhecido lhe chamava a atenção.
- E aí? Qual o nome do dia? Moloque, Exu ou Jorge? Você está meio caído...
- Caído?! - retrucou o maligno - Isso é coisa do passado... - e continuou a andar.
Depois de um tempo, passou por várias encruzilhadas como de costume e se deparou com a turma. Foi recebido com muita alegria pelo Zé, que gritou cambaleante:
- E aí, Tranca? Vem pra festa! Tem do bom e do melhor, como sempre a gente pede e eles obedecem. Lembra, Tranca? A gente começou pedindo criancinhas na fornalha, virgens na estaca, mas depois da festa do Gólgota, mudou-se uma coisa aqui, outra ali, mas olha aí, Tranca... Tem cigarro, pinga, farofinha e se não tem uma criancinha, vai uma galinha... Afinal, são tempos modernos. Mas diga, por que essa neura?
Ainda desconsolado e não conseguindo motivação, resolveu ir para o lugar que sempre levanta o seu astral. Foi-se para a casa do Senhor Tadeu, lá não há tristeza que resista, afinal, Tadeu é muito rico, é famoso, sua indústria movimenta milhões. Nada melhor do que um amigo rico para as horas difíceis. Enquanto caminhava, algo chamou-lhe a atenção.
Em todos os postes estavam afixados cartazes com o seguinte dizer: “Resolvemos todos os seus problemas: amor, dinheiro... marque sua consulta”.
Será? - pensou - que loucura!... Quase que acreditei!
Era cedo ainda quando ele chegou à casa do Tadeu. O movimento ainda era pequeno, mas como ele era de casa foi logo entrando: “ prenda os bichos que estou entrando! Suas pestes, não venham pular em mim com essas patas contaminadas de tuberculose! Não me lambam com essas línguas cheias de tumores! Deixe-me entrar sossegado!”
Lá estava Tadeu, parado, pensativo, mudo e naquele dia em especial parecia também surdo, coisa que irritou o agoniado demônio, que não suportou a indiferença daquele que poderia ser a solução de todos os seus problemas. “ Eu só queria alguém para desabafar, contar meus problemas... mas hoje em dia está difícil um demônio em quem se possa confiar! Depois que escreveram que o diabo é o pai da mentira, não dá mais pra confiar em ninguém. O tempo está acabando e eu não consigo resolver este problema”.
Enquanto ponderava em como se guiaria, uma luz... ops! Uma idéia (é que luz não pode!) veio-lhe à mente. Um pouco mais animado, seguiu em direção a uma pequena casa. Foi logo entrando, um grupo de pessoas estava reunido, todas assentadas em volta de uma mesa. Logo que o maligno aproximou-se de uma senhora, ela começou a tremer e a chorar, e não tardou, começou a falar:
- Eu sinto um espírito sofredor. Ele está confuso, angustiado, precisando ser esclarecido.
Neste momento, o coordenador da reunião manifesta-se afável:
- Meu irmão, companheiro, ceda aos fluídos de amor. Deixe que os guias desta casa ajudem você a sair desse sofrimento em que você se encontra.
Então o espírito maligno, já impaciente, começa a falar:
- Eu nasci em uma família rica. Meu Pai era talvez o homem mais rico de todo o mundo. Tenho muitos irmãos. Uns mais velhos que eu e outros mais novos. Gostava de correr pela casa, brincar no jardim. Como meu Pai é construtor, eu sempre visitava as suas obras, e ficava encantado com a sua capacidade de criar coisas grandes. Eu era feliz. Mas tinha um dos meus irmãos que era muito vaidoso. Ele era o que mais agradava nosso pai, pois ele cantava e tocava todos os dias para ele.
Nosso Pai estava envolvido com uma grande obra chamada Universo. Era realmente impressionante o tamanho do universo e mais impressionante ainda era que ele estava crescendo! Então esse meu irmão vaidoso começou a ficar agitado, pois ele queria ser o gerente que controlaria o universo. Então começou uma intriga dentro de casa. A família se dividiu. Eram brigas atrás de brigas, até que nosso Pai tomou uma decisão que pôs fim ao conflito. Ele elegeu seu filho caçula chamado Adão para ser gerente do universo. Pense em algo incompreensível. Logo Adão! Um bebê?! Iniciando seus primeiros passos! Isso foi demais... Ficamos revoltados. Nosso Pai, aborrecido, nos colocou para fora de casa! Tudo por culpa do Adão! Se não fosse ele o “filhinho do Papai”.
O grupo em volta da mesa chorava comovido com aquele desabafo. O coordenador experiente escolhia palavras para consolar o comunicante. E no coração de quase todos existiam críticas àquele Pai desalmado, que escolheu o tal de Adão e rejeitou parte de seus filhos... Que coisa! O Maligno, por mais incrível que pareça, estava mais aliviado. Suas convicções estavam mais claras. Compreendeu melhor seu ideal e conseguiu voltar à sua rotina: destruir Adão.

Um Carona Indesejável


LOCAL: Interior do Rio de Janeiro
CLASSIFICAÇÃO: Veridico
DATA: Meados de 2005

Estava viajando de caminhonete à noite. A estrada estava deserta, quando de repente os faróis iluminaram algo bem à frente, andando no acostamento.
De longe percebi que era um homem que vagava sozinho na madrugada. Passei por ele e olhei por curiosidade no retrovisor me perguntando o que uma pessoa fazia ali naquele lugar e àquela hora.
Foi aí que algo estranho aconteceu: o homem começou a correr como se quisesse alcançar o carro.Com receio de que ele pulasse na carroceria vazia, acelerei para deixá-lo pra trás. Para minha surpresa, ele continuava ali no retrovisor, acompanhando a velocidade do carro.
Pisei fundo, andava agora a quase 100 km por hora, mas o tal homem ainda corria, pois sua imagem não saía do retrovisor. Nesse momento avistei uma curva à frente e lembrei-me de que aquele era um trecho da estrada que aconteciam muitos acidentes e, mesmo apreensivo, decidi reduzir a velocidade para não capotar
Olhei mais uma vez no retrovisor e tive um breve alívio: o homem desapareceu da estrada. Foi quando me veio um ímpeto de olhar pra trás, pra carroceria e, por incrível que pareça, o homem estava ali sentado de costas para a cabine!
O “ homem” permaneceu lá imóvel até a entrada da cidade, quando simplesmente desapareceu.